A funcionária desceu do ônibus e atravessou a rua. Rapidamente, subiu os três degraus que separavam a calçada do corredor da vila. Eram dez pequenos quartos, dispostos lado a lado. No fim do corredor, torneira e tanque coletivos. Além do pouco espaço, o barulho dos vizinhos era outro problema, mas aquela moradia era a mais barata que conseguira arrumar.
Desde adolescente morando sozinha na cidade, terminara o colegial já aos 22 anos. Prestara um concurso para um cartório e lá estava há dez anos. O serviço era enfadonho, mas estável. Não gostava de aventuras. O ambiente até que era bom. As colegas mostravam-se simpáticas. Todas casadas, falavam de marido e filhos durante quase todo o dia. Só ela se calava. Não se constrangia, entretanto.
Na verdade, o que mais a entristecia não era a falta de um marido ou de filhos, propriamente, mas a ausência de um grande amor. Era o que pensava, ao menos. Por isso, não invejava as companheiras. Elas tinham marido, mas não via nelas indícios de paixões devastadoras.
As fantasias românticas tomavam todo seu tempo livre. Quando não estava no trabalho, estava em seu quarto lendo algum livro. Geralmente lia romances açucarados, cujos autores ela julgava estadunidenses. Os amores e desventuras das heroínas fascinavam-na. Costumava imaginar-se no lugar delas. Demorava-se nas passagens que descreviam as roupas dos personagens, principalmente em festas. Fixava-se nos detalhes e reproduzia mentalmente os vestidos descritos. Pensava em si mesma vestida daquela maneira.
Naquela noite, após chegar do trabalho, pegou avidamente o romance que começara na véspera. Colocou um cinzeiro no braço da pequena poltrona que havia no quarto e começou a ler.
O iate luxuoso, as jóias reluzentes, a decoração suntuosa, tudo que o romance barato descrevia fazia parte de seu mundo então. Ao som de uma orquestra, os casais dançavam, inebriados. Num instante, via-se como a heroína da história, num vestido cor-de-rosa. Vestido e cabelo esvoaçavam ao vento. Deliciava-se a cada palavra do herói, que, sobre a proa do navio, tomava-lhe as pontas do vestido nas mãos. Tecido e pessoa eram um só ser, sentia-se diáfana.
Sem querer, esbarrou no cinzeiro, que caiu ao chão, espalhando cinzas sobre um par de calças compridas brancas meticulosamente dobrado sobre uma almofada. O incidente arrancou-a ao devaneio.
Fechou o livro, pegou as calças e as espanejou delicadamente com as costas da mão para que as cinzas caíssem sem manchá-las. Era a única roupa disponível para o dia seguinte. Prometeu a si mesma que compraria algumas peças de roupa com o próximo salário.
Depositou as calças agora sobre as costas da poltrona e novamente abriu o livro. Voltou à leitura, mas não ao sonho. A imagem das calças misturava-se à dos vestidos. Não conseguia sequer fixar-se no enredo. Pensou na repartição. Papéis e carimbos tomavam o lugar dos olhares e sussurros enamorados. Lembrou-se de um processo cujo andamento estava atrasado. Precisava concluí-lo o quanto antes.
Deitou-se já sem sonhos e dormiu logo. Raro ter insônia. No dia seguinte, acordou mais cedo que de costume. Preparou café e o tomou lentamente enquanto fumava um cigarro. Vestiu-se e saiu à rua. Logo subiu no ônibus e chegou ao local de trabalho.
Sobre a mesa, o processo atrasado. Tinha quatro volumes e estava empilhado a um canto. Sentou-se e começou a folheá-lo. Quando estendeu a mão para pegar um carimbo, derrubou um tubo de tinta azul sobre o colo. Dessa vez o estrago foi irreversível. As pernas das calças mancharam-se de azul. Malditas calças brancas. Jurou que da próxima vez compraria jeans.
Desde adolescente morando sozinha na cidade, terminara o colegial já aos 22 anos. Prestara um concurso para um cartório e lá estava há dez anos. O serviço era enfadonho, mas estável. Não gostava de aventuras. O ambiente até que era bom. As colegas mostravam-se simpáticas. Todas casadas, falavam de marido e filhos durante quase todo o dia. Só ela se calava. Não se constrangia, entretanto.
Na verdade, o que mais a entristecia não era a falta de um marido ou de filhos, propriamente, mas a ausência de um grande amor. Era o que pensava, ao menos. Por isso, não invejava as companheiras. Elas tinham marido, mas não via nelas indícios de paixões devastadoras.
As fantasias românticas tomavam todo seu tempo livre. Quando não estava no trabalho, estava em seu quarto lendo algum livro. Geralmente lia romances açucarados, cujos autores ela julgava estadunidenses. Os amores e desventuras das heroínas fascinavam-na. Costumava imaginar-se no lugar delas. Demorava-se nas passagens que descreviam as roupas dos personagens, principalmente em festas. Fixava-se nos detalhes e reproduzia mentalmente os vestidos descritos. Pensava em si mesma vestida daquela maneira.
Naquela noite, após chegar do trabalho, pegou avidamente o romance que começara na véspera. Colocou um cinzeiro no braço da pequena poltrona que havia no quarto e começou a ler.
O iate luxuoso, as jóias reluzentes, a decoração suntuosa, tudo que o romance barato descrevia fazia parte de seu mundo então. Ao som de uma orquestra, os casais dançavam, inebriados. Num instante, via-se como a heroína da história, num vestido cor-de-rosa. Vestido e cabelo esvoaçavam ao vento. Deliciava-se a cada palavra do herói, que, sobre a proa do navio, tomava-lhe as pontas do vestido nas mãos. Tecido e pessoa eram um só ser, sentia-se diáfana.
Sem querer, esbarrou no cinzeiro, que caiu ao chão, espalhando cinzas sobre um par de calças compridas brancas meticulosamente dobrado sobre uma almofada. O incidente arrancou-a ao devaneio.
Fechou o livro, pegou as calças e as espanejou delicadamente com as costas da mão para que as cinzas caíssem sem manchá-las. Era a única roupa disponível para o dia seguinte. Prometeu a si mesma que compraria algumas peças de roupa com o próximo salário.
Depositou as calças agora sobre as costas da poltrona e novamente abriu o livro. Voltou à leitura, mas não ao sonho. A imagem das calças misturava-se à dos vestidos. Não conseguia sequer fixar-se no enredo. Pensou na repartição. Papéis e carimbos tomavam o lugar dos olhares e sussurros enamorados. Lembrou-se de um processo cujo andamento estava atrasado. Precisava concluí-lo o quanto antes.
Deitou-se já sem sonhos e dormiu logo. Raro ter insônia. No dia seguinte, acordou mais cedo que de costume. Preparou café e o tomou lentamente enquanto fumava um cigarro. Vestiu-se e saiu à rua. Logo subiu no ônibus e chegou ao local de trabalho.
Sobre a mesa, o processo atrasado. Tinha quatro volumes e estava empilhado a um canto. Sentou-se e começou a folheá-lo. Quando estendeu a mão para pegar um carimbo, derrubou um tubo de tinta azul sobre o colo. Dessa vez o estrago foi irreversível. As pernas das calças mancharam-se de azul. Malditas calças brancas. Jurou que da próxima vez compraria jeans.
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