quarta-feira, 16 de maio de 2007

Minha vida de cachorro em Campo Grande

Campo Grande já ficou conhecida no cenário nacional por ser uma das cidades com o maior número de carros por habitante ou o menor número de habitantes por carro – escolham. É claro que isso dá notícia, até porque o trânsito da cidade foi considerado um dos mais indisciplinados do país, que por sua vez tem o pior trânsito do mundo. Resultado: fomos parar no Jornal Nacional.

Aquilo de que ninguém ainda se deu conta, porém, é que Campo Grande talvez se notabilize por algo muito mais “animal”: a cidade deve ter o maior índice de cachorros per capita do planeta. É verdade. Campo Grande é um verdadeiro canil. Na Vila Alba, por exemplo, onde morei por mais de 15 anos, tinha a impressão de que a quadra onde se localizava minha casa, na Avenida Madrid, poderia entrar para o Guiness Book como o local de maior concentração de cachorros por metro quadrado do Universo — depois de cientificamente comprovada a existência de cachorros no resto do Universo, é claro. Não havia nenhuma casa com menos de três cachorros (com exceção da minha, onde só havia um, por insistência de minha mãe).

É quase humanamente impossível dormir numa situação dessas. As alternativas são: a) dormir à tardinha, antes dos cachorros começarem a latir; b) dormir de manhã, depois que os cachorros pararem de latir; c) gostar de dormir ao som de latidos e d) não dormir. Ah! Pode-se usar tampão de ouvido, também.

As tentativas de acalmar os cães são geralmente infrutíferas. Primeiro, porque eles não latem de nervoso. Latem de alegria, latem para se comunicar e latem quando entram desconhecidos. Tenho a impressão de que também latem para irritar humanos. Na ânsia de aquietá-los, tentei João Gilberto, certa vez. Não deu certo, porque, por mais que eu aumentasse o volume, o som dos latidos sempre suplantava a voz do meu cantor favorito. Desisti da idéia dos soníferos depois de fazer pesquisa de preço nas farmácias e ao ser advertida sobre a existência da Sociedade Protetora dos Animais em Campo Grande (sim, os soníferos seriam para eles, os cães, não para mim, que odeio usar drogas — para dormir).

Mudei-me para outro bairro, Santo Amaro, e a esperança de dormir em paz desvaneceu-se na primeira noite. Estou pensando em rever a indicação da Vila Alba para o Livro dos Recordes.

O grande número de cachorros não traz dificuldades somente aos que buscam um sono tranqüilo. Para os caminhantes noturnos, a cachorrada é um problema. No centro da cidade, tudo bem, mas nos bairros não dá para andar nas calçadas à noite. Os notívagos têm de andar na rua se não quiserem ir aos sobressaltos. Enormes cachorros pulam detrás de grades e muros aparentemente inofensivos e devem ser os responsáveis por muitos infartos não explicados na calada da noite. Com todos os riscos, andar no meio da pista de rolamento ainda é preferível — os carros, no mais das vezes, são identificáveis pelos faróis.

Por outro lado, a população canina de Campo Grande poderia ser uma atração turística. Raças, tamanhos e cores os mais variados. Certo dia, vi um cachorro do tamanho de um bezerro. Acho que era um fila. Lembrei-me imediatamente daqueles filmes de terror, com cães de olhos vermelhos e dentes pontiagudos. Daria uma superprodução.

Pensando bem, há que se fazer justiça aos pobres bichinhos. Seus defensores alegam que eles protegem as casas e são boas companhias para as crianças. De volta ao início, os motoristas indisciplinados, que acham que pedestre não é gente e nos levam a passar vergonha em cadeia nacional de televisão, ainda são as piores pragas da Cidade Morena.

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