sexta-feira, 28 de março de 2014

Muito além da saia curta


Desde que me mudei para o condomínio onde resido há aproximadamente um ano, comecei a receber bilhetes deixados nas janelas do apartamento e no pára-brisa do meu carro. Além disso, o porteiro do turno da noite batia na minha porta de madrugada com o pretexto de me entregar correspondência (que, pela praxe do condomínio, deve ser entregue durante o dia). Os bilhetes anônimos e a aparição do funcionário durante a madrugada me assustavam bastante, pois todos sabem que moro só. E houve um agravante: com problemas na fechadura, chamei um chaveiro que trocou as chaves do apartamento e me informou que o dano fora causado por tentativa de forçar a fechadura por fora. Alguns dias depois, a chave da porta do bloco inteiro também teve de ser trocada, o que foi feito pelo condomínio e pode ser comprovado.

Recolhi os bilhetes, o cartão do chaveiro com o nome do atendente, que poderia servir de testemunha do forçamento da porta, e levei à polícia para dar queixa de (a mim pareceu) intimidação. Na delegacia, disseram-me que isso seria impossível, pela inexistência de autoria, ou seja, não havia uma pessoa contra quem apresentar a queixa, o que me foi confirmado por advogados amigos. Resignei-me. Também por orientação de advogados, relatei, oficialmente, por escrito, ao síndico os fatos, com cópia dos bilhetes, e solicitei atenção à questão de segurança. O condomínio não tomou nenhuma providência, pelo contrário, o síndico limitou-se a receber minha carta, ouvir meu relato e dizer que nunca soube desse tipo de problema no residencial.

Depois de algum tempo, numa sexta-feira em que saí com amigos, voltei para casa de madrugada. O porteiro esperou que meus amigos que foram me levar fossem embora e me abordou (estando eu sozinha), na porta do meu bloco, às 3h, com um pacote na mão, dizendo que chegara correspondência. Eu lhe disse que me entregasse a encomenda de acordo com a praxe do condomínio, durante o dia, por meio de uma notificação, não naquele horário. Imediatamente, comuniquei o síndico, por mensagem eletrônica, do ocorrido. No dia seguinte, recebi um e-mail do síndico, dizendo que o porteiro passara "mal" por conta de minha repreensão.


E quanto ao fato de eu passar "mal", do susto por ter sido abordada por um homem, na porta do meu apartamento, às 3h da manhã, sozinha? Meu medo não conta? Parece-me que não. As batidas na minha porta de madrugada e o motivo de o funcionário não seguir a praxe (não soube de nenhum morador ou moradora que tenha recebido correspondência nesse horário) até hoje não me foram explicados.


Depois, ao reclamar novamente ao síndico, recebi um e-mail dizendo que nunca aconteceu nada parecido no condomínio, em suas palavras:

 “Reitero mais uma vez, que nesse Condomínio Residencial (***), nós NUNCA tivemos nenhum tipo (SIC) problemas relacionados ao que a Sra relata, como: bilhetes anônimos em sua porta, janelas, vidro do seu carro, batidas em sua porta altas horas da madrugada, batidas ritmadas em sua parede, como sendo de pessoa. Tal fato ocorreu (ou se é que ocorreu), somente após a sua vinda para esse condomínio.” Cópia exata do trecho da mensagem do síndico, com exceção do nome do residencial.
Por essa mensagem, vê-se que o síndico credita a “culpa” pelas agressões (bilhetes, assédio na madrugada, fechadura forçada) a mim, ou seja, à agredida. Ele diz que o que eu relatei NUNCA aconteceu no condomínio antes da minha chegada, resumindo: “eu trouxe o problema"! Além disso, duvida da ocorrência dos fatos – “(ou se é que ocorreu)” – mesmo com a apresentação das provas (tenho os bilhetes, as cópias e o cartão do chaveiro), insinuando que eu tenha inventado os acontecimentos relatados.

Resolvi tornar pública essa situação porque o silêncio e a vergonha da(s) ofendida(s) são utilizados pelos agressores. Estou realmente me sentindo muito mal, mas não sei a quem recorrer. Vivo de portas e janelas trancadas, tenho medo de qualquer “sombra” que passe pelas paredes. E ainda sou acusada de ser a causadora dos problemas, que “NUNCA” aconteceram neste condomínio antes da "minha vinda", além de ser ridicularizada em mensagens insinuando que eu “inventei” os fatos – ou seja, que eu menti – (mesmo com as provas em mãos).

Enfim, sou a agredida, mas acusada de culpa pela situação e exposta ao ridículo. O que o síndico quis dizer quando questiona: "(ou se é que ocorreu)"? Que sou louca, que inventei os fatos? 

Disso tudo, veio-me uma lembrança desagradável. Eu tinha 15 anos, passeava com minha mãe pela Rua 14 de Julho, no centro de Campo Grande. Vésperas de Natal, a cidade apinhada de gente; entramos numa pequena lanchonete, lotada, e nos alinhamos ao balcão, achando graça do tumulto e esperando a vez de fazer o pedido. A certa altura, um homem me beliscou a perna esquerda, bem abaixo da bunda. Assustada e tímida, contei à minha mãe, que imediatamente deu a grita: “Ei, tem um cara bolinando minha filha!”. Todos se voltaram para o pequeno grupo que formávamos. O homem encarou a turba e, altivamente: “Estou aqui com minha esposa, linda, acham que vou mexer com essa pirralha gorducha?” E saiu, arrastando a mulher pela mão. As pessoas se viraram para mim, rindo-se e apontando a menina gorda de saia curta. Minha mãe me abraçou. Chorei. O homem foi eficiente: molestou-me, negou o fato e ainda se utilizou de minha vergonha e de minha aparência para fazer escárnio público.

Sinto-me como aquela menina de 15 anos. Agredida, indefesa e ridicularizada. Só que sem minha mãe para me abraçar.


Um comentário:

Abrindo a Lente disse...

Amiga Ana. Infelizmente não podemos confiar em ninguém. O coração do homem é enganoso e tremendamente corrupto. Além disso o mundo jaz no maligno. Precisamos de muita sabedoria para driblar as armadilhas.