Cinza opaco, o furgão estacionou quase sem ser percebido a cerca de quinhentos metros do local da festa. Cátia K. desceu do veículo e deu alguns passos vagarosos, observando o ambiente. Um pouco longe, analisou, mas assim é melhor, mais discreto, decidiu, enquanto voltava para o automóvel, os longos cabelos negros presos no alto da cabeça. Depois de alguns minutos, saiu do carro uma moça com peruca loira, camisete branca e minissaia jeans.
Balançando os cabelos esticados com escova progressiva, num tom de loiro que contrastava com sua bela pele morena, Cátia K. dirigiu-se à festa. Ao som do axé em altíssimo volume apesar do horário – já passava das duas da manhã –, ela se misturou à multidão que dançava freneticamente, com os braços estendidos, e repetia o refrão da música. No palco, armado sob uma enorme tenda branca, o cantor se esmerava nos gritos, acompanhado de moças vestidas sumariamente, que se movimentavam numa coreografia copiada pelo público.
Misturada à multidão, Cátia K., rebolando, dirigiu-se aos poucos à lateral do palco. Sem ser percebida, logo estava diante da potente aparelhagem de som que sustentava o espetáculo, um verdadeiro aparato. Enquanto observava o local, ouviu o grito do cantor: “Tira o pé do chããããão!”, seguido de um entusiasmado urro coletivo. Sua mão coçou nervosamente o cabo da arma, uma Magnum 45 com silenciador, escondida sob o cós da minissaia, à guisa de coldre. Calma, pensou, você é uma profissional. Há trabalho a fazer.
Recuperada a serenidade, continuou a análise do local. Caminhou por trás do palco observando a quantidade de pessoas que circulavam por ali. Poucas, percebeu. É o momento. Retornou à área do som e permaneceu alguns segundos olhando as enormes caixas. Num relance, Cátia K. sacou a arma e disparou contra a base do amplificador. O ruído do disparo, amortecido pelo silenciador da arma, foi tão insignificante quanto a faísca resultante da detonação. Boas as aulas de eletrônica, celebrou.
Uníssono “oh” de decepção foi a reação da plateia, surpresa pelo desaparecimento da música, muitos rapazes e moças ainda com os glúteos para cima, no auge de um movimento da agitada dança. No palco, cantor e dançarinas, atônitos, não sabiam o que fazer. Em volta, técnicos e organizadores corriam, dirigindo-se aos fundos do palco, confusos, em barafunda.
Rapidamente, Cátia K. escondeu seu revólver no cós da roupa, olhou de um lado e de outro e se voltou para a frente do palco, junto à multidão. Logo se perdeu no meio das quinhentas e trinta e nove meninas com camisetes brancas, minissaia jeans, cabelos esticados e tingidos de loiro. Caminhando devagar, fingia estar tão perplexa quanto os outros participantes.
De repente, ouviu-se um chiado eletrônico. Uma voz metálica, parecendo distante, anunciou o uso de som auxiliar, que dava possibilidade de funcionamento do microfone, mas, infelizmente, era impotente para a continuidade do espetáculo, portanto, definitivamente cancelado.
Em meio à decepção generalizada, Cátia K. começou a sair de entre o público, que iniciava um esboço de revolta, com gritos esparsos de “queremos show”. Devagar, ela se foi retirando, olhando ao redor, disfarçadamente, até chegar ao furgão. Lá, vidros fechados, desfazendo-se da incômoda peruca, deu a partida no veículo. Um axé a menos, sorriu, satisfeita.